terça-feira, 21 de abril de 2015

O poder simbolico - BOURDIEU.Pierre.pdf





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Bourdieu: um clássico ainda não reconhecido como tal.

 Entenda o conceito de Poder Simbólico.
  
A novidade na obra de Pierre Bourdieu encontra-se na variedade dos objetos de sua análise. O poder simbólico é um desses temas ao qual Bourdieu se dedica. Para ele, o poder simbólico é esse poder invisível que só pode ser exercido com a cumplicidade daqueles que estão sujeitos a esse poder ou mesmo daqueles que o exercem.
 Bourdieu se concentra nas situações em que esse poder é normalmente ignorado, fato que nos permite intuir que esse poder é plenamente reconhecido pelos agentes envolvidos.
O capítulo em questão aqui leva o título da obra, "O Poder Simbólico", e está dividido em quatro subtítulos. No primeiro deles, Bourdieu considera a arte, a religião, a língua, etc., como estruturas estruturantes, citadas algumas vezes por ele como modus operandi, uma expressão do latim que significa modo de operação. Utilizada para designar uma maneira de agir, operar ou executar uma determinada atividade seguindo sempre os mesmos procedimentos, seguindo sempre os mesmos padrões nos processos. O segundo subtítulo fala dos sistemas simbólicos como estruturas estruturadas ou opus operatum. No terceiro subtítulo, Bourdieu trata das produções simbólicas como instrumentos de dominação. Por fim, trata dos sistemas ideológicos legítimos. \muito bem, vamos por parte, pois os escritos de Bourdieu são realmente densos e merecem toda a atenção e a maior paciência.
Segundo Bourdieu, a tradição neo-kantiana trata os diferentes universos simbólicos como instrumentos de conhecimento e de construção do mundo dos objetos, ou seja, como formas simbólicas, reconhecendo assim a ação e a importância do conhecimento. Bourdieu faz algumas considerações abrangendo os pensamentos de Émile Durkheim (pai da Sociologia Moderna que combinava a pesquisa empírica com a teoria sociológica) e de Erwin Panofsky (grande crítico da arte alemã e um dos principais representantes do método iconológico. Sua grande obra foi um estudo sobre a Arquitetura Gótica e Escolástica: uma analogia sobre a arte, a filosofia e a teologia na Idade Média).
 Para Bourdieu, Durkheim representava a tradição Kantiana exatamente por procurar respostas “positivas” e “empíricas” ao problema do conhecimento e não se contendo apenas ao apriorismo ou ao empirismo separadamente. Ao lançar fundamentos de uma sociologia das formas simbólicas, que neste caso equivaleriam a formas de classificação, Durkheim explicita o caráter transcendental que faz essas formas de classificação se tornarem formas sociais, se aproximando dessa maneira da teoria de Panofsky, onde as formas sociais são socialmente determinadas, ou seja, são relativas a um determinado grupo particular, logo são formas sociais arbitrárias.
Segundo Bourdieu, nesta tradição, a objetividade do sentido do mundo define-se pela concordância das subjetividades estruturantes, ou seja, o julgamento é igual ao consentimento, ou, em suas palavras, o senso é igual ao consenso.
Já para os sistemas simbólicos como estruturas estruturadas, Bourdieu considera que são passíveis de uma análise estrutural. Essa análise estrutural tem em vista isolar a estrutura permanente de cada produção simbólica. O Poder Simbólico é um poder de construção da realidade que tende a estabelecer uma ordem gnosiológica, ou seja, o sentido do mundo supõe um conformismo lógico, uma concepção homogênea que torna possível a concordância entre as inteligências. Destarte, os símbolos são instrumentos de integração social. Enquanto instrumentos de conhecimento e comunicação eles tornam possível o consenso acerca do sentido do mundo social que contribui fundamentalmente para a reprodução da ordem social.
Já para descrever as produções simbólicas como instrumentos de dominação, Bourdieu se baseia na tradição marxista que privilegia as funções políticas dos sistemas simbólicos em detrimento da sua estrutura lógica e da sua função gnosiológica. Este funcionalismo explica as produções simbólicas relacionando-as com os interesses das classes dominantes. A cultura dominante contribui para a integração real da classe dominante, assegurando uma integração e uma comunicação entre os membros dessa classe e ao mesmo tempo os distingue de outras classes. Daí surge um importante conceito desenvolvido posteriormente por Bourdieu: a distinção. Pois a mesma cultura que une por intermédio da comunicação é a mesma cultura que separa como instrumento de distinção, que legitima a diferença das culturas exatamente pela distância da cultura em questão em relação à cultura dominante.
Bourdieu considera que as relações de comunicação são sempre relações de poder que dependem do capital material ou simbólico acumulado pelos agentes. Os sistemas simbólico, enquanto instrumentos estruturados e estruturantes de comunicação e conhecimento, cumprem sua função política de imposição e de legitimação da dominação de uma classe sobre a outra, agindo como uma forma de violência simbólica.
Dessa maneira, Bourdieu conclui sobre as produções simbólicas como instrumentos de dominação da seguinte maneira: o campo de produção simbólica é um microcosmos da luta simbólica entre as classes. Assim, a classe dominante, cujo poder está pautado no capital econômico, tem em vista impor a legitimidade da sua dominação por meio da própria produção simbólica.
Por fim, Bourdieu disserta sobre os sistemas de produção ideológica legítima, como instrumentos de dominação estruturantes exatamente por serem estruturados, reproduzindo de forma irreconhecível a estrutura do campo das classes sociais. Em outras palavras, os sistemas simbólicos produzidos por um corpo de especialistas e mais especificamente por um campo de produção autônomo é uma dimensão do progresso da divisão do trabalho social, portanto, da divisão das classes.
Concluindo: para Bourdieu, o poder simbólico é um poder quase mágico que permite obter o equivalente daquilo que é obtido pela força física ou econômica e só se exerce se for reconhecido, o que significa que ele acaba sendo ignorado, passa despercebido. Assim, o poder simbólico é uma forma irreconhecível e legitimada.
Então meus amigos e minhas amigas, tentar entender Bourdieu significa mergulhar de cabeça em seus escritos profundamente densos e perspicazes, tarefa que só é possível de ser minimamente alcançável após longas horas de interpretação, de total imersão nessa obra esplêndida que ainda não é considerada como um clássico, mas certamente um dia o será.

Espero que vocês façam uma boa leitura dessa resenha e que assim, possam depreender mais informações ao se depararem com a obra original. Aguardo ansioso pelos comentários e pelas críticas, pois a opinião polifônica é um caminho muito salutar para as Ciências Sociais.

Brasil: mito fundador e sociedade autoritária - Marilena Chauí PDF

Brasil: mito fundador e sociedade autoritária - Marilena Chauí PDF

Fonte do Texto: leredesconstruir.blogspot.com.br
Link para download do livro: /docs.google.com/a/historiaoffline.com


“Brasil: mito fundador e sociedade autoritária”, de Marilena Chauí, livro escrito por ocasião do Brasil 500, trata de trazer à tona, desvendar, desconstruir e esclarecer o “mito Brasil”, presente no nosso imaginário não por mero acaso. Será verdade que o Brasil é um país “abençoado por Deus e bonito por natureza”, com um povo pacífico, ordeiro e tolerante e uma História honrosa?! São essas “verdades” cristalizadas no imaginário, nosso e do mundo, bem como a construção dessa imagem, que a autora busca analisar.

Em uma primeira parte, “Com fé e orgulho”, Marilena Chauí expõe as idéias que vão ser analisadas no livro e esclarece o que se quer dizer com mito fundador: mito não só no sentido etimológico, de narração de acontecimentos lendários, mas também no sentido antropológico, de solução imaginária para tensões; fundador por trazer um vínculo com um passado de origem, do qual não há nunca desvinculação.

Em “A nação como semióforo” (signo indicativo de algo não-material, simbólico), a autora discute o conceito de nação enquanto construção histórica e ideológica bastante recente, obtendo o significado que lhe atribuímos hoje somente por volta de 1830. Para tanto, Marilena Chauí analisa a história do uso de 2 termos: nação (inicialmente um conceito “biológico”, indicando tão somente pessoas que vivem num mesmo local) e pátria (termo usado antes de nação enquanto Estado-nação, muito ligado a figura de um chefe – pater – e à idéia de patrimônio, mas que, a partir do século XVIII, com as revoluções burguesas, passa a designar o território onde o povo está organizado em um Estado independente). Para dar unidade à divisão econômica, social e política surge a idéia de nação, com o objetivo de resolver 3 problemas: as lutas populares socialistas, a resistência dos grupos tradicionais à ameaça da modernidade e o surgimento de uma classe intermediária, a pequena burguesia. Não é à toa que a idéia de nação surge com força no momento em que a divisão social e econômica das classes se torna evidente. Freqüentemente, a divisão entre classe social e nação é pouco clara. A questão da “identidade nacional” é sintomática: como pressupõe a relação com o diferente, e o diferente é tomado como o país capitalista desenvolvido, completo, a nossa identidade surge lacunar e feita de privações, definida como subdesenvolvida. Fica claro aqui que “Brasil 500” é um semióforo historicamente produzido.

“O verdeamarelismo”, capítulo seguinte, analisa o verdeamarelismo enquanto construto ideológico, elaborada pela classe dominante como imagem celebrativa de um país “essencialmente agrário”, ligando-se à hegemonia dos proprietários de terra em um país historicamente articulado ao sistema colonial do capitalismo mercantil como colônia de exploração, em uma constante “dependência consentida” da elite. Aqui fica claro o porquê da exaltação das belezas da natureza do Brasil, já que este é seu produto e seu lugar no sistema colonialista. Importante lembrar que a industrialização nunca se tornou o carro-chefe da economia brasileira, e além disso se deu principalmente por transferência de setores industriais internacionais para o Brasil, devido ao baixo custo da mão-de-obra, em uma permanência da condição inicial de exploração. O verdeamarelismo foi alimentado durante a Era Vargas sob a ideologia da “questão nacional” e revitalizado e reforçado nos anos da ditadura com a ideologia do “Brasil Grande”, a ideologia geopolítica do Brasil Potência 2000, que traz em sua vastidão territorial, em suas riquezas naturais e em seu povo empreendedor, ordeiro e pacífico as condições de realização da tarefa do desenvolvimento.

No capítulo “Do IV ao V centenário”, Marilena Chauí apresenta diversos trabalhos intelectuais que serviram à construção da “identidade nacional”, vindos de autores como Afonso Celso e Silvio Romero.

Em “O mito fundador”, a autora se aprofunda na construção histórica “Brasil”. O “Brasil” não estava à espera de Cabral, não foi uma descoberta: trata-se antes de uma invenção histórica e uma construção cultural, instituído como colônia portuguesa e inventado como “terra abençoada por Deus”. As grandes navegações, além de constitutivas do capitalismo mercantil, são, simbolicamente, um alargamento de fronteiras do visível e um deslocamento das fronteiras do invisível, não trazendo apenas novas mercadorias, mas também novos semióforos. O próprio nome “Brasil” é indicativo disso: Braaz (fenícios) ou Hy Brazil (irlandeses) era o nome que designava as Ilhas Afortunadas ou Ilhas Bem-aventuradas, um mito poderoso descrito em escritos medievais sobre um lugar abençoado, a oeste do mundo conhecido, no qual reina primavera e juventude eternas e onde os homens e animais convivem em paz. O que os portugueses “acharam” foi o seu paraíso na Terra, conforme suas próprias crenças, ocidentais e cristianizadas. Nem a escravidão foi capaz de macular essa imagem de paraíso terrestre, já que justificada segundo as teorias do direito objetivo e subjetivo e pela superioridade e o poder civilizatório dos europeus. 

A produção do mito fundador tem relação muito importante com a História teológica ou providencialista, e o Brasil é explicado em muitos momentos segundo essa lógica. Assim também ocorre com a sagração do governante, desde a origem da criação Brasil em um sistema capitalista mercantil, que é simultaneamente Estado absolutista. O rei representa Deus e não os governados; essa mesma concepção aparece na política brasileira hoje, já que os representantes, embora eleitos, não são percebidos pelos representados como seus representantes, mas sim como representantes do Estado frente ao povo, que se dirige aos representantes para solicitar favores ou obter privilégios. O poder é visto como algo mítico, gerando uma sociedade altamente hierarquizada e verticalizada.

A divisão natural do Brasil em litoral e sertão dá origem à persistente tese dos “dois Brasis”: o Brasil litorâneo, formal, caricatura letrada e burguesa da Europa liberal, oposto ao Brasil sertanejo, real, pobre, analfabeto e inculto. Cria-se também um sertão mítico, como “verdadeiro” Brasil.

No último capítulo, “Comemorar?”, Marilena Chauí traz todas essas análises para a atualidade, demonstrando como dessa história resulta uma sociedade hierarquizada e verticalizada, permeada de desigualdades e relações de mando-obediência e que, ao supor que o autoritarismo é um fenômeno político que por vezes afeta o Estado, esquece-se de que ela mesma é que é autoritária e age conforme ideologias de longa data e conforme a “cultura senhorial”.


Ótimo e importantíssimo livro, capaz de esclarecer uma série de ideologias e perversões históricas a que somos submetidos em nossa formação escolar e social. Especialmente indicado para estudantes de História, mas inteligível (acredito que em menor nível) para leigos.